quarta-feira, 23 de maio de 2012

Prestações da Nobreza



O mendigo era feliz na sua profissão
Um pão honesto, descompromissado
Entreguei em suas mãos

A nota de dólar, elemento essencial desse veneno
Desvaneceu, como parte do meu ser
Saídas fictícias, adormecem em mim

Criando hipóteses e vínculos obrigatórios
Ainda sonhando a felicidade artificial
Surgindo, lutando, me mantenho

Impedimentos patéticos, medos ridículos
Tento atravessar a minha mão
A parede inútil dessa resistência

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Cortesia Atroz


As velhas fortalezas se abrem novamente
Me aceitam, me provocam, me fazem escravo
Acordo em vão, estou vivo, lúcido.

Eu continuo, seguindo através da grama
Os coelhos já não me contam mais piadas
A platéia, tramando, ri do meu escárnio
Ali está o velho, mais que sorridente

A parede de vidro aparece novamente
A ilusão de ótica através do espelho
Contando as lentes enquanto me calo

Apareça, esperto coala, apareça
O grupo de animais foi xingado
Pelo ser que nunca ama

Até tu, foca, que me provoca
Coça minhas costas, por favor
Reconheça que foi embora

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Sentimentos em Sentinela


Uma vez me perguntaram:

 - Qual é o pior sentimento que existe?

 - A culpa.

- Por quê?

 - Este, definitivamente, é o pior sentimento que existe.

- Quanto à raiva, o ódio, o rancor, estes não lhes parece muito piores?

- Não, a raiva não dura muito tempo, é extravasada rapidamente, talvez no próprio ato de sentir a raiva. O ódio é uma raiva transformada em sentimento, mas que se enfraquece e não dura a longo prazo. O rancor é uma tentativa de empacotar esses dois últimos sentimentos e guardá-los numa caixa, mas num lugar onde não há espaço para isso e acaba se tornando insuportável.

- E quanto à inveja, o ciúme, a vaidade?

- A inveja, tão mal vista e condenada, mesmo ela consegue ter alguma função, podendo até se tornar um objetivo de vida, a razão de viver de uma pessoa. O ciúme, tão doentio e absurdo que possa ser, mesmo ele carrega algum charme. A vaidade parece mais um desejo de agradar quem nunca se importa com isso, do que propriamente um sentimento.

- Então, por que a culpa?

- Porque ela sim, a culpa consegue se encaixar de forma perfeita à alma de um indivíduo, permanecendo agregada a sua existência, acompanhando-o a todo tempo e lugar, como um fardo, pesado ou leve, mas sempre ...  um fardo. Ainda que adormecida, ela estará sempre guardada em algum lugar na sua consciência, pronta para despertar e dar suas risadas incessantes, desdenhando da existência de quem a carrega.




domingo, 13 de maio de 2012

Sem Som


Cara de cara sem cara
Nada em nada no nada
Sem sempre é o sempre
Bate martelo, pole roda
Afie esta lâmina,
corta!

Vem o vento,
Volta a brisa
Amasse para descartar
Sem alento, sem tempo
É, amar não faz ar

Cadê a brasa?
Debaixo dessa cinza,
será que ainda há chama?
Ache uma caixa,
se tiver um, é só batucar.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Prurido


Às vezes escrever não presta para o que quero derreter
Gostaria de rabiscar impudor, de colorir com lápis furta-cor
De alguma forma dar forma a esta forma que não se forma

Mas na verdade, isto é apenas um recurso, uma graça
Eu nem escrevo mais, apenas bato e martelo na carta
Leve ou forte, tanto faz, a fonte está fora, está na tela
Tudo está mediado e tento aqui ser aquilo que sei lá
Aquilo que no momento não vem e até vem, mas se freia
E depois vira importuno companheiro até o próximo olá

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Reflexões de outrora


"Acredito que o  grande desafio para o ser humano é conseguir desvincular a sua felicidade a algo concreto, físico, palpável, e como isso parece ser difícil. A maior parte do tempo todo parece que estamos cercados de pessoas e coisas dispostas a nos ensinar o que é e como é ser feliz. Acho isso uma bobagem, talvez  a maior de todas. A lição que podemos tirar da vida é encontrar a  felicidade dentro de nós mesmos, a nossa própria felicidade. Ser feliz apesar de tudo, ou ainda que tenhamos tudo.

Sinto saudade de outros tempos, quando a felicidade parecia não se confundir com os lampejos de alegria que sinto hoje, mas não posso mais esperar o grande dia, quando tudo promete ser belo e maravilhoso, porque esse dia talvez não virá, ilusão esperar isso.

Quero um dia voltar a ter fé e esperança no ser humano e em tudo o que me cerca. Tenho minhas obrigações, tenho meus projetos, mas eles não são o que sou. Eu não sou os meus projetos, sou um ser humano, buscando ”apenas” ... ser feliz.

Acredito que com os meus amigos, mas só com os verdadeiros (por isso amigos), consigo alcançar o que chamo de felicidade. Perto da natureza também, ela tem uma grande magia. Vislumbro o dia em que eu consiga ter o maior desapego possível, a máxima desvinculação das eternas e ingratas mesquinharias, que tanto incomodam e trazem a infelicidade.

Por hora me sinto feliz hoje, que seja apenas por alguns momentos, pois são somente neles que me lembro que ainda estou vivo, e o quanto a vida é grotesta e bela, ao mesmo tempo e de forma surpreendente."

sábado, 5 de maio de 2012

Visita


Ei pequeno, ei pequeno
Vamos, abra os olhos
A menina não para de girar
Baila num torpor infinito
Nem uma gota do copo escapa
Aceite pequeno, é hora de acordar

Ande! Não perca tempo
Isso não tem reposição
Temos muito o que ver
Muita coisa para sua torta compreensão

E este olhar assustado?
Eu entendo, minha aparência não é agradável
Mas disso iremos falar
Sobre sua falsa percepção e tudo mais
Não tenhas medo, entenda a paralaxe,
conhecerás a escolha, pequeno
Nas trevas aprende-se a ver além do reflexo

Ah...

Esse vento súbito... cheiro de titica...
Eles estão perto
Bem, fique com seu dia, continuaremos em outro momento.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Papel Rasurado, Ato IV


Sem perceber sinto uma lágrima escorrendo em meu rosto.  Observo que tudo está congelado, toda natureza degustando o sofrimento de tal gotícula. Mais dez segundos se passam, uma dor inexplicável derruba as paredes da represa do choro. Cada lágrima um pensamento, cada pensamento uma dor, cada dor um sentimento e cada sentimento um descontentamento.

Não entendendo tal acontecimento, fecho os olhos. Um filme cinzento amedronta a mente perdida em várias imagens. A melhor imagem pertence a bela Estranha, que sem saber, atormenta todo horizonte a ser construído. Energia esgotada com tamanha paixão. Equivocado talvez não, pois há uma convicção nisso tudo. Convicção em dizer, liberte-se desse nó, abandone tal ninho, e venha comigo vivenciar verdadeiramente o horizonte.

Não sou uma ave, não sou o Outro e muito menos o dono da verdade. Me resta ser eu mesmo. TENSO!!! Percebo rapidamente que o texto perdeu o sentido...  decido encerrar com um pequeno poema angustiado:

Queria agora estar ao seu lado
Compartilhar toda maravilha do amor
Sendo conscientemente teu vassalo
E desta forma, destilar toda dor

Dor de não ter você...
Dor de você pertencer a outro
Dor de nunca saber
O mel esplêndido de seu corpo.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Passeio


Mais uma vez, cá estou a sentir
A fria brisa que ele me tomou
Escapo esta noite da praga do calor
Oculto minhas asas com a amizade do ocaso
Admiro a Negra Terra em sua suntuosidade

Não vigio mais a encruzilhada
Não há nada mais lá para mim
Suas aves deformadas passam os olhos em tudo
Patifes pálidos e submissos
Estúpidos enfeites de campas e ataúdes

As sombras são o bem necessário
Sob elas caminho, sob suas leis o engano

O medo constante me acompanha
Mas não lhe dou atenção, ignoro-o
Zombo dele, de sua impotência ante a malícia
A sabedoria de quem conhece e aceita
Os caídos e rejeitados
Os antes filhos agora julgados e condenados
Pelo arbítrio de um ciumento velhaco

A melodia silencia meus pensamentos
Opera sob o que restou, me acalma
Me faz lembrar que é necessário descer novamente,
mas o tempo de realizar minha tarefa se aproxima
Me erguerei mais uma vez e todas as sobras serão contadas


terça-feira, 1 de maio de 2012

Logo ali


O velho abre os olhos
Mais uma quase manhã
Ainda é cedo, apesar de...
Ele então fecha os olhos
Oito minutos se passam
Olhos abertos novamente
O cansaço é maior
Não foi a melhor decisão,
como todas as outras, é verdade

A mão direita vasculha o ar
Encontra a gaveteira,
O maço e o isqueiro,
O velho amigo para acordar
O companheiro da noite, do dia
da estrada, da beirada, do horror
Melhor não pensar, já não vale mais

Uma canção a tocar,
notas dividem o ar com a fumaça
O que está feito é concreto
O que seria nunca será

Hora de levantar, é necessário tentar
Mais um dia a ler sem sonhar
Mais um dia a viver sem nada amar

Papel Rasurado, Ato III

A chuva transparece toda tristeza
Cada lágrima machuca o pensamento
Nesse cenário guiado por vileza
Inflando em demasia todo sentimento

Um nobre homem já dizia
Ser ou não ser, eis a questão
Não sou e nem serei, só me resta ironia
A dor de saber que ela tem outra paixão

A estranha me visita com muita clareza
Seja vivendo, dormindo e sonhando
Mas se a outro ela entregaste toda pureza
Pensamentos enfadonhos agora torturando

Não vejo mais a saída e nem o caminho
Tempestuoso pensamento entrelaçado
A vergonha do pífio sentimento em carinho
Escrito novamente no papel rasurado

Ah! Ainda me resta uma estrofe perdida
Sem mais delongas, a Estranha não será revelada
É nítido que toda pureza não pode ser dividida
Aguardando o momento para que seja amada.